sexta-feira

Tantampouco Tempo

O tempo é uma moeda com um câmbio muito volátil, nada valendo numa sala de espera e sendo diamante na véspera do exame. Tem, contudo, no longo prazo, tendência para apreciar. Diz-se que valoriza por ele próprio: quanto mais velhos somos, i.e., quanto mais tempo temos, mais o queremos e, daí, ele ser mais valioso. Talvez por isso, e numa prática inconsciente, o idoso tenha tendência a dormir menos? O tempo não é, na verdade, uma moeda porque não se pode guardar para utilização posterior. O tempo é uma matéria gasosa que, trabalhada, origina uma matéria sólida, a experiência, essa sim, moeda e preciosa.

Temas Interessantes

Inicia o diálogo nos temas mais que filosóficos do nascimento e da morte. Concentra-se em duas ou três ideias que se esvaem em quatro ou seis minutos. Quem ouvia mostrava desinteresse. Para prosseguir o paleio, fala do bebé da colega e do falecimento do vizinho. Como não há conhecidos a nascer e morrer diariamente não consegue continuar a conversa por muito tempo. O ouvinte mantinha-se bocejante. Decide comentar os antes da nascença e do óbito: a gravidez e a doença. Por terem sido ambas normais, o relato não seria sedutor. Para despertar a atenção do interlocutor, coscuvilha a relação que a mãe tem com o pai e mexerica o modo de vida do vizinho. O outro dialogante, finalmente, fica interessado e passa a interagir. Sobre ideias, talvez não, mas sobre relações humanas, todos temos opinião.

O Bem dos Bastidores

Nas boas acções, é natural o “Quem as faz as divulga”. O orgulho por obra própria deve ser anunciado e mais ainda se esta for feita com o intuito principal de beneficiar os outros. “Quem as divulga e não as faz” pertence ao grupo dos mentirosos que, não sendo necessariamente maus, acusam falta de bondade. “Quem as faz e não as divulga” vive na coutada dos utópicos, idealistas e ingénuos. Porquê a doação anónima? Porque, com o espírito conspirativo actual, não é fácil encontrar alguém que veja, aceite ou acredite num sentimento bom e incondicional sem lhe chamar interesse escondido ou jogada de bastidor. (Só se é genuinamente bom em silêncio?)

O Apagado

Era uma pessoa capaz, como dizem. Sensato e bom entendedor vivia obcecado por passar despercebido. Agia educado para não parecer demasiado rude nem excessivamente simpático. Vestia neutro, sem rasgões nem sujidades, sem marcas, nem acessórios. Com receio de conflitos, não refutava as opiniões de terceiros e respondia-lhes através do sensaborão politicamente correcto, sem traços de originalidade. Permanecendo cinzento, todo o tempo, ia apagando a sua impulsividade; e sem acções automáticas e directas foi perdendo a criatividade. Ninguém se lembrava bem dele, não fazia a diferença, não fazia diferença. A discrição cortou-lhe a personalidade.

Eminência Parda

A praça pública tornou-se obsoleta. O telespectador e o leitor de tele- e jornais desprezam os anúncios oficiais, eminentemente eleitorais, e a publicidade encapotada das notícias emitidas pelas empresas. É mais apelativa a descoberta dos bastidores, balneários, antecâmaras e corredores. É mais culto ou curioso conhecer-se toda a linha de construção de uma actividade ou produto partindo da criação, seguindo pelo planeamento, continuando pelo controlo e concluindo na execução. É mais útil compreender os acontecimentos do que a eles assistir passivamente - não interessam o tudo-feito e o pronto-a-comer porque não nos fazem pensar.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Who links to me?