segunda-feira

Segredinhos Primaveris

Criação de intimidades, minutos após o despertar, ao acariciar a pele do rosto gelhada pelas fronhas e lençóis e antes do adormecer ao revolver os cabelos e evitar o sono precoce que o cansaço dá. Sim, sonos descompassados; agenda amorosa com reuniões intermináveis e nas quais não há que atingir objectivos nem conclusões; escapadelas silenciosas e invisíveis pelo deus-dará do dia e da noite; segredos por aquém e por além e, se pedido, para sempre, escondidos sob o manto da seriedade diária; um véu de ignorância atirado a todos os curiosos e coscuvilheiros; a insuspeição do recato da donzela e da discrição do cavalheiro juntos, sem espalhafatos nem inconfidências, na tenda de dois. Uma boa paixão é um desabafo emocional que abana e abaixa o pragmatismo e a previsibilidade das vidas, cada vez mais egoístas, e das suas desastrosas filhas, as lides das zangas crónicas.

Homens ou Ratos?

Na taberna, o velhadas tosco ajunta-se ao rufia estiloso e ambos se dão de conversas pouco cavalheirescas, insinuando a feitura de uma trafulhice ao mais bêbedo de serviço. Viram-se para este e: - Homem, estás com mau ar. Vem lá fora apanhar do bom. Eu seguro-te deste lado e aqui o puto do outro. Levaram o alcoolizado para a rua e, com os braços crucificados nos ombros dos bandidecos, foi fácil a estes chegar bolso interior do casaco daquele. Os maganões colocam as mãos nas algibeiras do beberrão e tiram-nas de lá, logo de imediato, com um grande grito. Eis duas ratoeiras das antigas, com um buraco na madeira, uma mola velha, mas bem esticada e um ferro ferrugento. Depois do susto ainda apanharam tétano. Disse o juiz: - Sois homens ou sois ratos? Assaltando um embriagado, tiveram o castigo dos roedores e desmascaram assim a vossa natureza.

Fogo Efémero

Desconhecia o que o esperava. O nervosismo dominava-lhe o corpo: espasmos, arrepios, unhas desgastadas pelos dentes, cãibras nas canelas, à custa do constante matraquear dos pés no mosaico, pescoço dorido de tanto rodar para ver quem vem de que lado. O tronco esticado era a única parte imóvel de si, mas até este desfez a pose de rigidez no momento em que a mão delgada que ele esperava lhe acariciou o ombro, por trás. - És tu, o…? Assustado, corcundou-se, a proteger o tórax, e só quando se virou constatou que a ameaça era a rapariga da qual só vira fotos desfocadas. Recompôs-se e respondeu: - Sim, se tu fores a… Faiscou, acendeu, incendiou e, no pico do céu, apagou. Fora um fogo-de-artifício na espetacularidade e na duração. Caíram canas que se espetaram no coração e cinzas que entupiram os seus pulmões. Ele tinha razão quanto à protecção do tórax.

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