quarta-feira

Volta de Avanço?

Económica e politicamente, os ocidentais têm dinheiro e democracia a rodos. Profissional e tecnologicamente, trabalham com e no futuro. Porém, quando olham para trás, fazem-no de forma incorrecta ou, pelo menos, incompleta. O único receio que se lhes assombra ao mirar o retrovisor provém do seu carácter competitivo capitalista, ou seja, de haver alguém mais veloz que os ultrapasse. Na verdade, o grande medo deveria ser outro. A história da humanidade não é um caminho para a frente, infinito; é um circuito. Se aqueles que vão à frente optam por acelerar mais, partem a multidão de homens. O que acontece na volta seguinte? Os mais avançados, de tão rápidos irem, embatem com toda a violência no largo grupo de pessoas que deixaram para trás. E uma guerra, sinal de incúria histórica, é convocada.

Um-em-Dois

É tão estimado no meio profissional como tido por asqueroso nas suas atitudes privadas. O homem de quem falamos jamais se encontrara num só. Força igual à que o puxa para a sociedade, o seu trabalho, há outra que o afasta, os seus vícios. Fora do seu corpo, tem as pessoas do dia-a-dia que o empurram para ser o perfeito e o responsável; dentro de si há um buraco negro para onde convergem todas as suas perversões e egoísmos, que materializa na sua noite-à-noite. Esta tortura através do estiramento, em que a sua vida interior puxa para um lado e a externa para outro, por ser tão constante, tornou-o insensível à dor. Destemido e disposto a encarar todas as circunstâncias da sua existência, ele apenas renunciou a uma luta - aquela contra a natureza humana que o faz tomar comportamentos díspares, de tanto bem e de tanto mal.

Marinheiro Mouco

O embarcadiço padecia de uma disfunção auditiva que, não o tornando surdo, o fazia ouvir, ad eternum, barulhos aquáticos. Como que com um búzio enfiado em cada ouvido, escutava ininterruptamente as vagas marinhas. Poético, relaxante…incapacitante. A deficiência era um estorvo para os desígnios do seu coração: apenas podia ser encantado por sereias que conhecessem linguagem gestual e estas não as havia – todas seduziam através da sua melodia oral. Sem companhia, foi-se fechando numa concha. A doença agudizava-se e iam escasseando as suas acostagens às terras silenciosas dos contactos físicos com outras pessoas. Passou a viver imerso no seu oceano de impalpáveis sons marítimos. O defeito dentro da orelha ensurdeceu-lhe os restantes sentidos.

Ajudinha

Foi um atropelamento aparatoso. Não estava verde nem para o peão nem para o automobilista – naquele momento em que um avança antes do tempo e o outro depois, dá-se um choque entre ossos e chapas. Combalido, o humano que não ia sentado tem o joelho rasgado sem estar estilhaçado. Com fobia a hospitais e sem dinheiro, as alternativas médicas escasseiam. Felizmente, ele dá-se bem com um vizinho que não é um Zé-ninguém na área de saúde e que o pode desenvencilhar do seu problema físico. Para não correr tudo mal a quem está no sítio errado, à hora errada, é melhor conhecer alguém no sítio certo, com o cargo certo.

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