segunda-feira

Os Iluminados

Queria ganhar a todo o custo o concurso de venda de lâmpadas para iluminação pública. Influenciei com dinheiro o júri e ganhei dinheiro a rodos. No concurso seguinte, tinha concorrentes tão espertos quanto eu e tive de aumentar a comissão aos jurados. Novamente ganhei e carreguei nos preços. Um tal de tesoureiro pagaria a conta sem piar. O terceiro concurso, esse, nem o houve. Deram-me adjudicação directa para vender lâmpadas de cristal, que precisavam de uma electricidade especial, ainda por inventar. Nesta espiral de subornos, pus o país às escuras e os iluminados, eu e os jurados, éramos idolatrados por ter as fachadas das nossas casas com as mais belas luzes de Natal.

Frete

Bebo, repousadamente, o meu café. Café. Papua Nova-Guiné. Antípodas. Austrália. Aborígenes. - Olha quem por aqui anda! Bom-dia! Posso-lhe fazer companhia? - Bom-dia – e que se lhe separasse a cabeça do corpo como o ponto do i. Detesto ser bem-educada com pessoas que detesto. As crianças é que não têm de aturar estes polimentos que em criança me forçaram a ter. O tipo é um moscardo, uma varejeira, que se senta meio de lado e pousa a sua asa atrás de mim, na cadeira onde estou sentada. O seu perfume, direi fedor, veio do arroto de uma planta carnívora que se alimenta de asquerosos percevejos. Só anseio que ele sinta a minha água-de-colónia como sendo insecticida.

Mal Acompanhado

Desconfiado, cheirava de soslaio, preferia apontar a falar, ignorando se era ou não educado. Guardado para si só, não pede ajuda aos outros. Em catraio, evitava os trabalhos de grupo e os jogos – de equipa, porque tinha colegas, e individuais, porque tinha adversários. Definitivamente, não aprecia as pessoas em particular nem em geral. Não faz esforço de comunicação ou socialização, zomba daqueles que o fazem, não entra e, muito menos, não empolga diálogos ou discursos. Adere a todo o custo ao anonimato, quer-se invisível e intocável. Paradoxalmente, este homem, que insistiu em viver tão sozinho, cairá numa vala comum e ficará acompanhado o resto da eternidade.

Doença do Fim

Uma doença terminal. Mesmo a calhar. A vida não estava fácil e não era o único a dizê-lo. Pela cabeça, não lhe passava a bala de um suicídio. Se sempre fora cobarde, porque deveria ser corajosa a sua última acção? Uma doença era uma desculpa óptima para aliviar permanentemente o fardo do quotidiano. Ainda teriam pena dele. Prepararia, com tempo, tudo e todos. Arrumou todos os seus pertences e fez donativos em vez de testamento. Espalhou elogios a quem amou e por quem se cruzou. Ao despedir-se, apaixonara-se pelo que perderia. Alegrara-se, no início, e arrependera-se, quase no fim. Encurtou a vida que lhe tinha caídocéu. Tardemais.

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