terça-feira
Minuto de Silêncio
Caminho na rua, alguém me interpela:
- Posso-lhe dar uma palavra? Só lhe roubo um minuto.
Sempre a andar replico:
- Não, não tenho tempo.
Logo adiante, outra intercepção:
- Posso-lhe dar um silêncio? Só lhe ofereço um minuto.
Parei. Neste mundo onde se compram silêncios com notas graúdas, obter um de borla é bom acordo. Aceitei e logo começo a receber esse universo surdo. Sem sons sem olhares sem gestos sem cheiros. Um minuto no silêncio zumbe. É incomodativo, pica a memória, morde os pensamentos adormecidos, gera comichões na consciência.
Atordoei-me com estas reflexões inesperadas. Compreendi ali o momento do máximo respeito que se oferece aos finados: servem os minutos de silêncio que entregamos a quem a vida caiu para perturbar, acordar e clarear a nossa.