segunda-feira

O Papel na Sociedade

Por aí vivemos cercados de papel: cartolinas, embalagens, invólucros, extractos, revistas, guardanapos, toalhas, cartazes, autocolantes.
Na conversa por onde agora passo, sai da boca do homem um rolo de registadora, tantos são os números que ele fala: taxas, descontos e margens. O pedinte, acolá encostado, depressa se transforma em papel de parede e já ninguém se apercebe da sua presença.
E a rapariga tão linda que ali vem! É uma fotografia em tamanho real. Couché brilhante e no formato padronizado da perfeição. (Espero que o papel da moça seja de boa qualidade para que a beleza dela não desbote na velhice.)
E eu que só conhecia a enciclopédia andante! É esta apenas um tipo de pessoas de papel que por aí anda…

Cheias de Pânico

No cruzamento de uma zona rural, as duas amigas viram para o lado errado. Ainda estranham a estrada medíocre e as grandes poças que contém. Contudo, esperançosas de melhor percurso mais à frente, continuam. Engano: o asfalto enfraquece e os buracos submersos multiplicam-se. Estão com medo.
Querem fugir porém, se aceleram um pouco o carro, este descontrola-se, derrapa e resvala pela berma profunda de terra molhada que, por sua vez, se apresta a desabar. A água está ali, em frente e dos lados. Muita, fria e cinzenta.
A chuva afunda gradualmente a via e fortalece os lagos que a rodeiam. E se a estrada se converte numa ilha? Uma esbraceja e esperneia, outra congela e emudece. Ambas se inundam de pânico porque perderam o controlo dos seus destinos.

sábado

Avisos

Tinham-me falado da tal cidade sem lixo, sem pedintes, sem carros, sem mamarrachos, com jardins, com animação, com policiamentos, com monumentos. Eu, viajante sem carteira, curioso pelas paisagens gratuitas, avancei. Logo me interromperam. Em todas as entradas dessa metrópole de sonho especava-se o aviso “Proibida a entrada de estranhos ao serviço”. Estranhei. Esclareceu-me a senhora, fardada à hospedeira, que todo aquele que ali entrasse tinha de ter uma missão económica e logo me perguntou ao que ia eu.
- Passear.
- Muito bem. Aqui tem: visto de turista. Paga agora ou à saída?
- Minha senhora, vou só ver. Não tenho nem a ponta de uma nota nem o arco de uma moeda.
- Sem dinheiro, o senhor é indesejável. Para assistir à perfeição, o “consumo é obrigatório”. Perfeição?!

O Desportista

Desde a infância que ia perdendo espectadores. Começou por ter as famílias do pai, da mãe e dos amigos destes. A novidade do nascimento esmoreceu e as visitas diminuíram. Nas escolas, tinha amigos; primeiro, eram todos, a meio, alguns, por fim, poucochinhos. No trabalho, os colegas, como tal, iam puxando uns por os outros, porém, na recta final, pontapeavam-se para obter a vitória. À noitinha, após esgotante etapa, precisava de um encorajamento e de um empurrão que as suas mulher e filha lho davam; dia-a-dia só elas lhe batem palmas. Ouve aplausos mais sonoros, mas mais tarde, no final da volta, de quem o vê vencer. Porém, ele ovaciona quem viu e acreditou na sua vitória antes dele ganhar.

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