quinta-feira

Língua-Mãe Espiritual

Os detractores dos rituais de iniciação religiosa não gostam de ver uma hierarquia espiritual a moldar as suas crianças. Confundem os homens da Igreja com a instituição e acreditam mais nos actos avulsos e pecaminosos daqueles do que na filosofia sólida e ideal desta. Deixar que teoria nossa seja abafada por práticas menos honradas doutros é o primeiro passo para a criação de um ser egoísta e desconfiado, com a individualidade preferível à sociedade. Uma religião, ensinada de bebé, é a aproximação a uma comunidade como o é a aprendizagem de uma língua; não seria ridículo esperar que o rebento atingisse a plena consciência dos seus actos para só então lhe perguntar se era o português o idioma que ele queria aprender?

Sushi Tauromáquico

A gastronomia causa crueldade. A cultura também. Os gostos do meu estômago são pouco hortícolas e os da minha educação muito tradicionais. Os japoneses com as baleias e os portugueses com as touradas. Eu, insensível, adoro a cultura luso-nipónica. Toureio o peixe com uma pequena rede vermelha e amarela. De um lado para o outro no aquário canso-o um pouco. Em seguida, pego nos hashis, nome opiáceo dos pauzinhos, e faço deles bandarilhas. No fim, corto a cauda e a barbatana dorsal ao bicho em sinal de glória. O público atira-me algas e wasabi para a arena aquática. Belo desempenho do cavalo-marinho. O jantar é uma bela faena sem garfos nem facas e a estocada final vem numa tacinha de saké, depois da bica. É uma animação do restaurante japonês de Barrancos.

Assalto Consentido

Eu de beijo dado, dos que deixam rasto de língua de caracol e contornam o pescoço, do pomo-de-eva até à nuca; ela a desferir-me um contragolpe glaciar de um beijinho numa face que trespassa até ao outro lado da cara sem acertar nos lábios. A minha boca olhava para as bochechas com ciúme. A sua boca, de cieiro, dizia não poder chuuaacc. Eu a arquitectar, em exclusivo e à medida, uma carícia; ela a dar-me um cumprimento mais frio que os apertos de mão de alguns homens. Á socapa, rapinei-lhe um chocho. Vinha em formol - intacto, mas morto. Essa figura de “beijo roubado” só existe para quem quer ser assaltado.

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