terça-feira
A Primeira Epidemia
Habituados a serem verdadeiros para si mesmos, os primitivos sofriam de uma aversão desmesurada à mentira. A mentira, por esses tempos, situava-se nas doenças mais incuráveis e socialmente isoladoras. Este repúdio pela aldrabice ia muito além das presunções morais; de facto, a mentira era um mal físico que consistia num grupo de pequenas bolhas venenosas que se parasitavam aos milhares na boca. Por serem paladosas, muitos trincavam-nas com deleite. Contudo, cada mentira, quando mordida, estalava-se em finos vidros que escorriam pela garganta, desfazendo-a e perfurando-a. Uma epidemia! Milhões de pessoas esburacadas na fronte do pescoço espichavam pus de falsidades.
Médicos e moralistas, éticos e cépticos, todos pretendentes ao pódio de salvação da humanidade, solucionaram em uníssono: “Não trinque as mentiras, sugue-as devagar: não se fere e digere-as”.