quarta-feira
Marinheiro Mouco
O embarcadiço padecia de uma disfunção auditiva que, não o tornando surdo, o fazia ouvir, ad eternum, barulhos aquáticos. Como que com um búzio enfiado em cada ouvido, escutava ininterruptamente as vagas marinhas. Poético, relaxante…incapacitante.
A deficiência era um estorvo para os desígnios do seu coração: apenas podia ser encantado por sereias que conhecessem linguagem gestual e estas não as havia – todas seduziam através da sua melodia oral.
Sem companhia, foi-se fechando numa concha. A doença agudizava-se e iam escasseando as suas acostagens às terras silenciosas dos contactos físicos com outras pessoas. Passou a viver imerso no seu oceano de impalpáveis sons marítimos. O defeito dentro da orelha ensurdeceu-lhe os restantes sentidos.